TUDO O QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE CONTRATOS DIGITAIS
Com a inserção contínua de tecnologias, surge a necessidade de que o Direito crie novos mecanismos, como negócios digitais e, consequentemente, contratos digitais, para garantir a devida segurança jurídica.
Com efeito, os contratos digitais emergem como uma opção economicamente mais viável, ao instrumentalizar de forma mais rápida a circulação de bens e riquezas, bem como ajudar na diminuição de custos.
O contrato digital pode ser utilizado amplamente, nos mais diversos ramos, tais como: imobiliário, financeiro, administrativo, recursos humanos, saúde e educação, o que evidencia sua flexibilidade e capacidade de adaptação.
O que é um contrato digital?
Para entender o que é um contrato digital, antes é preciso entender o que é um contrato. Contratos são um dos institutos mais antigos do Direito, estão em constante evolução e são considerados uma das principais bases da economia.
O contrato, em essência, é um acordo de vontades que gera obrigações jurídicas para as partes. E isso implica na possibilidade de exigir legalmente sua executividade.
Logo, revestir um acordo entre pessoas, físicas ou jurídicas, com juridicidade, significa dizer que o cumprimento desse acordo pode ser exigido judicialmente, caso haja descumprimento de alguma das partes.
Dessa forma, o conteúdo do contrato implica numa relação jurídica de natureza econômica, pela qual uma das partes (devedora) fica vinculada à outra (credora) no dever de cumprir uma determinada prestação (de dar, fazer ou não fazer), sob pena de responder com seu patrimônio em caso de descumprimento.
Dito isso, o que caracteriza um contrato digital?
O contrato digital (ou eletrônico) é aquele em que o computador ou outro equipamento eletrônico é utilizado como meio de manifestação e de instrumentalização da vontade das partes contratantes.
Isso é possível, pois o direito contratual brasileiro adota o princípio da liberdade das formas, assim, ressalvadas as exceções previstas na legislação, os contratos não possuem uma forma definida.
Neste sentido, a caracterização do contrato digital é feita a partir do meio empregado para sua contratação.
Portanto, a categoria dos contratos digitais é atraída pela mera expressão das vontades através de meio virtual, independentemente do objeto contratual (o acordo firmado).
Alguns exemplos são contratações com assinatura digital, certificado digital, proposta e aceito por e-mail, teleconferência, videoconferência, plataforma de e-commerce, sistema de mensagem instantânea, redes sociais, skype e outros.
Um contrato digital é válido?
É inegável que o contrato tradicional transmite maior segurança ao cliente, mas o contrato digital pode ser utilizado. No Brasil, essa realidade se confirma no Código Civil de 2002, que, em seu artigo 104, inciso III, consagra a liberdade das formas dos contratos[1].
Além disso, reforça a validade de contratos digitais a Medida Provisória n° 2.200-2/2001, que veio instituir a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, que, por sua vez, garante a “autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras”[2].
Sabe-se, portanto, que o contrato digital é aceito no Brasil atualmente, mas não se limita ao nosso país.
A Lei Modelo da UNCITRAL, Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional, que disciplina o assunto em escala mundial, estabelece:
Artigo 5. Reconhecimento jurídico de mensagens de dados Não será negado efeito legal, validade ou eficácia a informação somente porque esteja na forma de mensagem eletrônica. Artigo 11. Formação e validade dos contratos. 1) Salvo disposição em contrário das partes, na formação de um contrato, a oferta e sua aceitação podem ser expressas por mensagens eletrônicas. Não se negará validade ou eficácia a um contrato pela simples razão de que se utilizaram mensagens eletrônicas para a sua formação. 2) As disposições deste artigo não se aplicam ao que segue: [...] Artigo 12 - Reconhecimento pelas partes das mensagens de dados 1) Nas relações entre o remetente e o destinatário de uma mensagem eletrônica, não se negará validade ou eficácia a uma declaração de vontade ou outra declaração pela simples razão de que a declaração tenha sido feita por uma mensagem eletrônica [3].
A partir do que foi exposto, portanto, resta claro que o contrato digital é válido em território brasileiro e em âmbito internacional, transmitindo a legislação citada segurança àqueles que queiram desfrutar das vantagens desse tipo de contrato, sobretudo no mundo digital e globalizado em que vivemos.
Tipos de contratos digitais
A rigor, a doutrina majoritária aceita 04 tipos de contratos eletrônicos, os quais sejam: (i) interpessoais, (ii) interativos, (iii) intersistêmicos e (iv) os smart contracts ou contratos inteligentes.
Os contratos interpessoais demandam uma ação humana de forma direta nos momentos da oferta ou da proposta e no momento do aceite ou contraproposta, inclusive, realizadas por troca de correspondência eletrônica, de qualquer tipo, como o WhatsApp.
Os contratos interativos, por outro lado, se caracterizam quando a formação do contrato se dá com interação de uma pessoa com um site, aplicativo ou outra forma automatizada.
É similar a um contrato de adesão, em que as condições estão expostas e a parte decide se as aceita, formalizando o contrato. Vale destacar que é muito comum nas relações de consumo por meio de lojas eletrônicas. Por isso, pode-se tratar de contratos que recebem a incidência do Código de Defesa do Consumidor.
Uma questão preocupante quanto a este tipo de formação contratual é a qualidade do aceite e, portanto, da manifestação de vontade da parte contratante, que muitas vezes sequer lê as condições e exigências contratuais.
Existem, assim, sites e aplicativos, por exemplo, que permitem o aceite apenas depois que o contratante percorra toda a página em que estão descritas as normas e condições.
Os contratos intersistêmicos, por seu turno, como a denominação sugere, são aqueles feitos entre o sistema de uma parte e o sistema da outra parte, de forma automatizada.
Esse tipo de contrato é comum, por exemplo, no setor de varejo, que compreende empresas que lidam diariamente com compras, vendas, protocolos ou pedidos de cotação.
Como nem sempre é viável possuir recursos humanos para suprir essas demandas constantes, a troca eletrônica de informações se mostra uma boa saída para empresários.
Por fim, os contratos inteligentes, também conhecidos como smart contracts, são caracterizados pela autonomia, permitindo que o cumprimento das cláusulas seja verificado eletronicamente e que até mesmo a execução do contrato se dê autonomamente.
Isso é possível, porque o instrumento contratual é feito mediante programação de dados, sendo normalmente utilizada a blockchain, permitindo que os códigos promovam o desenvolvimento da relação obrigacional.
Validade da assinatura
Embora os contratos digitais tragam um desafio para o mundo jurídico, qual seja, a autenticidade das informações, já existem regras que buscam assegurar a confiabilidade das relações jurídicas pactuadas no meio virtual.
Nesse sentido, a assinatura aparece como um dos requisitos essenciais que comprovam a veracidade de um documento.
No âmbito digital, há diversos meios de autenticação que se situam dentro do género assinatura eletrônica, variando, especialmente, o nível de segurança da informação, que vai desde a conjugação do login e senha até o uso da biometria.
A assinatura eletrônica é realizada, geralmente, por um terceiro desinteressado, ou seja, uma empresa que fornece serviços de assinatura, que, mediante um login e uma senha pessoal, faz a coleta da assinatura de maneira digital.
Pode-se ter, também, a assinatura digital qualificada, que se difere da assinatura eletrônica, essencialmente, por ser decodificada por uma chave pública – um certificado digital garantido por uma autoridade de certificação.
Desse modo, essa modalidade de assinatura presume-se verdadeira perante os signatários, gerando maior confiabilidade e segurança quando comparada a uma assinatura eletrônica comum.
No Brasil, os documentos eletrônicos são regulamentados pela Medida Provisória n° 2.200-2/2001, de 24 de agosto de 2001, que valida tanto a assinatura eletrônica quanto a digital.
Cabe ressaltar que, conforme o art. 10, § 2º, da MP 2.200-2, qualquer outro documento assinado de forma eletrônica, ainda que sem certificação do ICP-Brasil, também é válido, desde que admitido pelas partes ou aceito pelo destinatário.
Já a biometria diz respeito ao reconhecimento de uma pessoa por meio da análise de seus atributos físicos e/ou de comportamento involuntário, demandando, para a perfeita validação dessa assinatura, a observância de normas técnicas.
A escolha entre os tipos de assinatura existentes vai depender do: (i) grau de confiança sobre a identidade dos signatários; (ii) manifestação da vontade de seus titulares; e (iii) ausência de forma prescrita em lei.
Em suma, as assinaturas eletrônicas são válidas, contando que sejam admitidas pelas partes signatárias e aceitas pelo órgão ou pessoa em face de quem o documento será oposto.
Por se tratar de um meio de formação contratual, e não uma nova espécie de contrato, os contratos eletrônicos recebem a mesma disciplina dos contratos disposta no Código Civil, bem como a aplicação dos princípios fundamentais do direito contratual, como autonomia da vontade, boa-fé, função social e outros.
No entanto, o contrato digital enseja algumas particularidades a serem observadas.
É visível, por exemplo, a prevalência dos contratos digitais no comércio eletrônico. Cada contrato digital deve ser analisado sob sua própria ótica para que se identifique a legislação aplicável.
Há grandes preocupações, por exemplo, com a questão da extraterritorialidade, em que se pode questionar a aplicação da legislação brasileira ao contrato firmado virtualmente.
Outros desafios são a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e as normas de regulação e responsabilidade por informações eletrônicas, previstas no Marco Civil da Internet e na Lei Geral de Proteção de Dados.
Por isso, é muito importante contratar uma consultoria ou assistência jurídica especializada para diminuir os riscos potenciais e estabelecer contratos com mais segurança jurídica e econômica nos meios virtuais.
Autores: Ana Júlia Prezotti Duarte Gustavo Cantanhêde dos Reis Josemaría Dias de Paula Freitas Portella
Notas de rodapé:
[1] GOMES, Orlando. Contratos. p. 42.
[2] BRASIL. MEDIDA PROVISÓRIA No 2.200-2, DE 24 DE AGOSTO DE 2001. Institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, transforma o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação em autarquia, e dá outras providências.
[3] UNCITRAL. Model Law on Electronic Commerce with Guide to Enactment 1996 with additional article 5 bis as adopted in 1998. Nova Iorque: United Nations, 1999. Disponível em: https://uncitral.un.org/sites/uncitral.un.org/files/media-documents/uncitral/en/19-04970_ebook.pdf. Tradução retirada de ALVES, Lauren Juliê L F T. Disponível em: https://laurenfernandes.jusbrasil.com.br/artigos/792335055/voce-conhece-os-4-tipos-de-contratos-eletronicos.
[4] Cf. FACHINI, Tiago. Contrato eletrônico: segurança e requisitos de validade. PROJURIS, acesso online. Disponível em: https://www.projuris.com.br/o-que-e-contrato-eletronico/#Contrato_eletronico_intersistemico.
Referências bibliográficas
BARROS, Carla Dalbuoni Monteiro de. Contratos Eletrônicos e o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/2semestre2014/trabalhos_22014/CarlaDalbuoniMonteirodeBarros.pdf.
BRANDÃO, Graziela; RAMALHO, Luís Jovelino. Time BL consultoria, acesso online. Contratos Digitais: Entenda os requisitos fundamentais para a formulação e validade de contratos eletrônicos. Disponível em: https://blconsultoriadigital.com.br/contratos-digitais.
BRASIL. MEDIDA PROVISÓRIA No 2.200-2, DE 24 DE AGOSTO DE 2001. Institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, transforma o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação em autarquia, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/antigas_2001/2200-2.htm.
CAVALCANTI, Thainá da Silva. Consultor Jurídico, online, jun. 2021. Os tipos de assinatura eletrônica e sua validade jurídica. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jun-02/cavalcanti-tipos-assinatura-eletronica-validade-juridica.
FACHINI, Tiago. Contrato eletrônico: segurança e requisitos de validade. PROJURIS, acesso online. Disponível em: https://www.projuris.com.br/o-que-e-contrato-eletronico/#Contrato_eletronico_intersistemico.
GOMES, Orlando. Contratos. p. 42. Disponível em: Minha Biblioteca, - 27. ed. - Grupo GEN, 2019.